Problemas e necessidades dos Sobredotados
Os problemas dos sobredotados não são uma utopia.
Se para os sobredotados com todas as capacidades acima da média e desenvolvidas de forma harmoniosa o problema principal possa eventualmente ser apenas o de se conseguir uma boa e equilibrada estimulação do seu potencial, o que nem sempre se torna tão fácil como poderá à primeira vista, uma vez que desejam e exigem sempre mais e as estruturas não estão aptas a corresponder a essa necessidade, os sobredotados com desequilíbrio de desenvolvimento nas suas capacidades podem ter de enfrentar situações de não aceitação que degeneram muitas vezes em frustação, desmotivação e, não raro, em problemas do foro psicológico e/ou fisiológico.
Para uma abordagem mais objectiva, registemos, então, alguns depoimentos de pais que talvez se reconheçam ao ler estas linhas:
"...o meu filho começou a ter problemas quando entrou na 1ª classe (o que até então não acontecia).Não se interessa (pela escola); a professora diz que ele é preguiçoso e muito lento. Agora começou a fazer chichi na cama. A professora do ano passado batia-lhe na cabeça e ele ficava tão desesperado que dizia que gostava de ser uma flor para não ter de ir à escola. sempre teve jeito para desenhos mas agora quando se engana atira tudo ao chão e diz 'eu sou burro, não sei fazer nada'. Queixa-se dos colegas 'não
me ligam nenhuma'..."
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"...o meu filho foi óptimo até entrar na escola. Todos gostavam dele, comunicava bem com toda a gente. Embora o 4º filho de um grupo de 6, todos bastante inteligentes e bons alunos, o esquema mental deste foi sempre difícil de compreender e, quanto a mim, seria o menos inteligente de todos. Uma psicóloga amiga fez-lhe um teste e concluiu que era sobredotado. Desde que entrou na escola começou com fortes enxaquecas que eram de origem emocional. Gosta de fazer coisas sozinho, pensa que sabe tudo de tudo, faz asneiras atrás de asneiras, sabe tudo de máquinas e faz reparações. Temos de o castigar. Tornou-se agressivo para com os mais fracos..."
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"...'Detesto estudar', disse o meu filho quando a escola começou. A professora queixa-se de que ele só quer estar na biblioteca a ler livros e obriga-o a ir brincar com os outros no recreio. Uma vez obrigou-o a estar a olhar para o livro sem se mexer durante meia hora, embora ele já tivesse lido a lição em 2 minutos. A professora não quis que ele avançasse de classe para não ficar o mais novo na turma. Só se relaciona com 2 ou 3 colegas e parece assustar-se e fugir dos outros. Isola-se muito. Tem muita imaginação. É muito crítico em relação a si próprio. Tem muita imaginação. É muito crítico em relação a si próprio. Está na fase dos pesadelos, nunca tem sono..."
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"...este meu aluno sabe tudo. Nas aulas temos que lhe dizer 'já sei que sabes, deixa os outros responder'. Os colegas têm ciúmes e chamam-lhe o 'dicionário'. Lê muito, por vezes até às 6 da manhã. Quando não tem mais nada, lê a literatura dos medicamentos, que chega a decorar. Já assumiu que tem de esperar pelos outros, não é agressivo, parece compreender. Um colega que é líder perturba-o mas tem-lhe respeito. Vou falar com os pais dele para virem aqui para ajudá-lo..."
Da leitura destes depoimentos, podemos descobrir alguns dos problemas que afligem a criança sobredotada e os seus familiares.
A criança sobredotada, pode ser diferente da normal, encontra sempre incompreensão e resistência. Há uma tentativa natural em todos nós, educadores, para o nivelamento, talvez por comodismo.
A aceitação das características da criança e das suas necessidades não acontece. E essa recusa em aceitar a diferença começa logo em casa, na família, onde o amor existe. Cedo a criança aprende que desgosta aqueles que ama pela sua forma de ser. Talvez até se esforce consciente ou inconscientemente por corresponder às expectativas dos outros e ao que dela exigem, mas por vezes isso é-lhe tão difícil, torna-se com frequência contraproducente (as coisas não saem bem) e, não raro, chega a ser uma violentação que a criança faz de si própria.
Com a entrada na escola o problema complica-se. E, não raro, só a partir desse momento os pais se consciencializam que algo vai mal.
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O que parece mais grave e de imediato perceptível pelos sobredotados no momento em que entram para a escola é que esta é de uma infindável obrigatoriedade, cedo entendida como limitativa, castradora e "chata".
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À medida que a escolaridade vai avançando e sentindo-se impotente para alterar o seu triste destino, a criança, tornada entretanto adolescente, das duas uma:
a ou aprendeu a camuflar as suas frustrações e faz o mínimo possível para "dar nas vistas", à espera pacientemente num bocejo sem fim que o tempo avance e as férias grandes comecem de novo
a ou então perdeu as estribeiras e deu largas à sua agressividade natural e tornou-se o aluno mais irrequieto, perturbador e mal-visto na escola
Infelizmente muitos são os casos que degeneram em insucesso escolar, abandono da escola tendo como consequência comportamentos anti-sociais, como roubo, droga, prostituição...não raro isolamento, a que se foram remetendo, ou a frustração de uma vida sem rumo quando poderia ter sido bem diferente, leva a um viver inconstante e ao próprio suicídio.
A análise aqui efectuada, se bem que de forma generalizada, está longe de reflectir as múltiplas formas que um não atendimento de um sobredotado pode ocasionar.
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