Lei na Europa e em Portugal não exige a melhor protecção para crianças com menos de 4 anos
por APSI - Associação para a Promoção da Segurança Infantil
No automóvel, as crianças devem viajar voltadas para trás até aos 4 anos, para terem uma melhor protecção em caso de acidente. Há muito que tal é defendido pela comunidade técnica internacional. Mas essa evidência foi mais uma vez confirmada num estudo publicado pela ANEC – Associação Europeia de Consumidores – no qual a APSI participou enquanto conselheira. A conclusão teve como base o estudo de acidentes reais ocorridos no Reino Unido, Suécia e Estados Unidos. (Pode consultar o estudo integral em www.anec.eu/attachments/ANEC-R&T-2008-TRAF-003.pdf).
Também a Aliança Europeia de Segurança Infantil defende o uso de cadeiras viradas para trás até aos 4 anos. No relatório de avaliação do projecto CSAP (Plano de Acção para a Segurança Infantil), apresentado em 2007, em que foram avaliadas as políticas ou estratégias adoptadas pelos diversos países participantes no projecto, Portugal obteve uma má classificação na apreciação das políticas de segurança rodoviária, e em particular, na que diz respeito a esta estratégia específica tão importante para uma maior protecção da vida das crianças.
Há muitos anos que as crianças nórdicas usam cadeirinhas voltadas para trás até aos 4 anos, e a Suécia é o país com a mais baixa taxa de mortalidade do mundo, nessas idades, em acidentes rodoviários. Mas no resto da Europa e em Portugal, esse tipo de cadeiras para crianças mais velhas é difícil de encontrar.
Em Portugal, o Código da Estrada estipula que as crianças com menos de 3 anos só podem viajar no banco da frente se utilizarem uma cadeirinha virada para trás e sempre com o airbag desligado. Geralmente, há mais espaço para a instalação deste tipo de cadeiras à frente, mas um esquecimento de desligar o airbag pode ser fatal. Esta medida deveria ser estendida progressivamente a todas as crianças até aos 3 anos que viajem de automóvel, mesmo no banco de trás, mas teria de ser suportada por alterações no R44 e na Directiva Comunitária com o consequente aumento da oferta no mercado. Esta só poderá ocorrer com o envolvimento dos fabricantes de cadeirinhas e de automóveis. Para já, é urgente aumentar a informação que chega aos consumidores para que façam escolhas mais informadas e sejam mais exigentes na protecção dos seus filhos mais pequenos, o que também poderá forçar a tendência do mercado na oferta de modelos vendidos actualmente nos países nórdicos.
Estudos feitos pela APSI em 2001 e 2007 , indicam que menos de metade das crianças que utiliza cadeirinha até aos 18 meses viaja voltada para trás (49%). Esta taxa é bem mais elevada para as crianças com menos de 6 meses (87%) mas decresce para 55% nas crianças dos 6 aos 12 meses. Entre 2001 e 2007, este último valor parece representar uma taxa de utilização estável entre os 6 e os 9 meses (54% e 57%, respectivamente) e um aumento de 31% para 53% na taxa de crianças entre os 9 e os 12 meses que usam cadeirinha e que viajam voltadas para trás. Apesar de serem valores pouco significativos tendo em conta a dimensão do universo estudado, este facto poderá não ser alheio ao intenso esforço da APSI junto de pais e profissionais de saúde na divulgação da importância vital que representa manter a criança voltada para trás durante o máximo de tempo possível. De facto, a APSI tem sido solicitada por um número crescente de Hospitais para a realização de Cursos de Introdução ao Transporte de Crianças no Automóvel, dirigidos a profissionais de saúde. São cada vez mais numerosos os médicos e enfermeiros que dão essa recomendação aos pais, apesar das resistências iniciais devidas ao alegado conforto das crianças.
"Há alguns anos, considerava a APSI fundamentalista por dizer que as crianças deviam viajar em "cadeirinhas" viradas para trás pelo menos até aos 18 meses. A experiência pessoal vivida na Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos alterou a minha visão, nomeadamente dois casos de crianças transportadas viradas para a frente que foram vítimas de acidentes de viação, dos quais resultaram lesões cervicais e cerebrais graves. A menina que tinha 12 meses vive em estado vegetativo sem autonomia respiratória. O rapaz de 18 meses morreu algum tempo depois. Acompanhar estas tragédias fez-me pensar de modo diferente. Hoje, defendo junto dos Pais a necessidade de manter as crianças voltadas para trás pelo menos até aos 18-24 meses", afirma o Prof. José M. Aparício, Pediatra e Intensivista Pediátrico, no Porto.
As cadeirinhas voltadas para trás salvam a vida de 9 em cada 10 crianças, em caso de acidente. Mas, em Portugal, são muito raras as crianças com mais de 12 meses que viajam com o nível de protecção ideal apesar de ser reconhecida a importância de continuar a usar a cadeirinha voltada para trás até aos 4 anos para proteger eficazmente a cabeça e o pescoço frágil das crianças.
Proteger melhor, nem sempre significa pagar mais
Nos centros de verificação que a APSI tem dinamizado em todo o País e que foram a base destes Estudos, é frequente chegarem crianças muito pequenas já em cadeirinhas voltadas para a frente. Mas, segundo afirma Helena Sacadura Botte, Secretária-Geral da APSI e inspectora de cadeirinhas com grande experiência neste tipo de intervenção, “algumas vêm com a primeira cadeirinha (também conhecida por “ovo”) mal instalada, ou seja virada para a frente, e basta corrigir o erro para resolver o problema. Noutros casos, após uma conversa com os pais que geralmente entendem os benefícios e aceitam a argumentação e, se o tipo de cadeira utilizada o permite, esta é reinstalada voltada para trás pelos técnicos da APSI. Assim, sem qualquer custo adicional, muitas crianças passam imediatamente a viajar com um nível de protecção mais elevado”.
No entanto, esta realidade nem sempre é válida. A oferta existente no mercado para crianças com mais de 9 a 12 meses, é reduzida. Geralmente, a criança cabe na primeira cadeirinha (Grupo 0+ até aos 13 kg) até aos 10 a 14 meses, mas quando precisa de transitar para o modelo seguinte (virado para trás) a oferta é reduzida: ou se opta por cadeiras mistas (Grupos 0+/I , até aos 18 kg), mais baratas mas cada vez mais raras devido à elevada taxa de erros de utilização, ou dificilmente se encontra uma cadeira do Grupo I que possa ser utilizada voltada para trás. Quando se encontra (existem pelo menos dois modelos em Portugal), não se adaptam a todos os automóveis e os preços são elevados.
O estudo da ANEC alerta para o abismo existente entre lei e tecnologia no que toca à protecção das crianças mais novas, e recomenda que o regulamento de cadeirinhas em preparação nas Nações Unidas, em Genebra, considere apenas cadeiras voltadas para trás para as crianças mais novas, o que irá promover o desenvolvimento de novos produtos. Recomenda igualmente alterações legislativas a nível europeu no sentido de ser proibida, a médio prazo, a aprovação e venda de cadeiras viradas para a frente no Grupo I (9-18kg). Mas antes que essas alterações ocorram, é feito um apelo aos fabricantes de cadeirinhas e de automóveis para que colaborem voluntariamente no fornecimento de sistemas de retenção para crianças até aos 4 anos, voltados para trás, tal como existem no mercado escandinavo. Dessa forma, todos os consumidores Europeus poderão ter acesso a esses dispositivos e liberdade de escolha na protecção que dão aos seus filhos. A APSI corrobora totalmente esta posição e estende o apelo aos representantes de marcas já instaladas em Portugal para que a oferta no mercado aumente e facilite uma melhor protecção das crianças do nosso País.
© APSI - Associação para a Promoção da Segurança Infantil